O arquivista

Blog para falar de arquivos e da arquivistica portuguesa e lusófona. Uma memória para os arquivos e para a cultura em Portugal.

sexta-feira, novembro 04, 2005

ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO (I)

Surgiu uma reportagem sobre o Salão Pompeia do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) no suplemento "Actual" do jornal Expresso de 29 de Outubro, secção de "Antiguidades", assinada por um tal José Norton, verdadeiramente extraordinária.
Primeiro, é engraçado ver que esta reportagem surge na secção antiguidades, para falar de um Arquivo que apesar de histórico, está cheio de modernidade e tem feito um esforço grande para se enriquecer e actualizar. Aliás a sua documentação histórica é plena de actualidade.
Segundo, as considerações feitas roçam a ignorância e maledicência (muito em vulgo no jornalismo actual) apesar de referir algumas verdades que o AHU nunca escondeu.

Referirei algumas:
  • Começa por se interrogar sobre a abrangência do nome do próprio Arquivo, parece desconhecer que a mudança de nome de Colonial para Ultramarino se ficou a dever à política seguida pelo Estado Novo, acompanhou a tutela, quando o Ministério deixou de ser Colonial para ser Ultramarino. Hoje o nome até está bem posto, pois o Arquivo diz respeito não só às antigas colónias, mas a todo o mundo. A documentação refere também todo um cenário de influência portuguesa, extravasando em muito a territorialidade das ex-colónias.
  • Depois engana-se na morada..... não contribuindo para a divulgação do Arquivo.... efectivamente ele não está na Travessa da Boa-Hora, mas na Calçada da Boa-Hora, 30.
  • A precisão cronológica é impressionante, vejam: "A casa, de fundação anterior ao século XVII..." e mais adiante "No princípio do século XVIII resolveu fazer remodelações...", pois é, nem na visita que fez ao Arquivo viu a data bem inscrita na fonte de embrechados: 1580.
  • Depois faz referências ao estado de abandono que o Salão tem sido votado e os jardins do próprio palácio. É pena que não refira que o "Salão Pompeia" (é o nome da sala que tem os azulejos) tem sido objecto de intervenções de limpeza feita por técnicos de conservação e restauro. E que se esta a preparar um projecto de reabilitação total do Salão a apresentar ao POC. Este é muito complicado pois requerer intervenção na área dos estuques, madeiras, azulejaria e pedra. Além disso foi pedido um parecer sobre a estabilidade estrutural do edifício ao LNEC. Assim a recuperação será mesmo total e não paliativa. A intenção é transformar esta sala numa estrutura para encontros, seminários, exposições... enfim devolvê-la à comunidade. Ora esta devolução tem que ser feita com muito cuidado pois o Palácio da Ega encerra o Arquivo e tem de ser regido por estritas normas de segurança. Está em causa um património único que diz respeito não só a Portugal, mas a toda a lusófonia.
  • Relativamente aos jardins estes apresentam-se em más condições mas por causa de obras de reabilitação do Palácio. Já está feito, só falta adjudicar, um magnifico projecto de recuperação exterior do Arquivo, assim venho o dinheiro.
  • Por fim diz com lágrimas (de crocodilo) nos olhos.... "Como é possível, neste país de estádios e outras obras faraónicas, deixar aquele tesouro embrulhado em papel selado, ofícios, pareceres e rubricas orçamentais, enfim, entregue à indiferença oficializada? Não vejo resposta à vista?...". Pois bem além do "tesouro" Salão Pompeia, existe outro tesouro, precisamente os documentos que ali estão. E a indiferença não é total, fique-se a saber que o Ministro Mariano Gago possibilitou um investimento de mais de dois milhões de euros na recuperação de tão valioso património. Consultem o site do Arquivo e vejam os projectos realizados.

Pois bem na realidade o Salão Pompeia e a sua colecção de azulejos é magnifica e ainda pouco conhecida, mas não está esquecida. Nem mesmo o Arquivo, acho eu.

Não quero acreditar que o esforço dos últimos dirigentes do Arquivo, nos quais me encontro, vá por água abaixo por "veredas tropicais" inexplicadas e, para mim.... inaceitáveis.

O Arquivo Histórico Ultramarino tem investido sempre na sua modernização, sendo pioneiro em muitas decisões tomadas. Por vezes o poder instituído e tutelar não tem acompanhado e percebido o que se pretendia ou pretende, mas o Arquivo nunca baixou os braços, mesmo quando estava debaixo de fogo dos próprios jornalistas. É assim que hoje em dia é referência a nível do restauro dos documentos, da sua descrição, da sua informatização, no atendimento ao seu público. Isto apesar de ultimamente quererem fazer constar o contrário....................

Só quero terminar interrogando... como é possível que uma pessoa tão preocupada com o património nacional faça este artigo e não aja em conformidade..... olhe que peça ao Millennium bcp para investir no Arquivo e dê fundos para o tal projecto de recuperação.

Bem mais haveria para dizer do que foi feito e do que falta fazer.... mas fica para crónicas futuras.

De qualquer forma é sempre bom falar no Arquivo, é mais uma "chamada de atenção", e também tem de ser dito. Este artigo diz verdades, relativamente aos seus incríveis vizinhos, mas nem sempre a lei está do lado certo.........

(fotos retiradas do site do AHU em www.iict.pt/ahu/index.html)

1 Comments:

  • At quarta-feira, julho 26, 2006 6:28:00 da tarde, Blogger José Norton said…

    Só agora por casualidade li os seus comentários ao meu artigo sobre a sala Pompeia. Depois de tanta pancada que me deu fico contente por terminar dizendo que "Este artigo diz verdades, relativamente aos seus incríveis vizinhos, mas nem sempre a lei está do lado certo.........".
    Sou frequentador do Arquivo H.U. como arquivo e até me referi a ele como simpático no artigo em questão, porque o aprecio deveras!
    Quanto aos painéis (e o AHU não tem culpa de se ver obrigado a coabitar com eles), talvez o tempo me dê razão e continue por muitos anos "O silêncio dos Azulejos".
    De qualquer modo foi bom alguém o ter quebrado, ainda que acusando um toque que da minha parte foi involuntário.
    Cumprimentos

    José Norton

     

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